
Era mais um dia, pedi café enquanto tentava não congelar. As mãos afundavam-se nos bolsos à procura de trocos e a vida tinha decidido ser amarga. Queria eu juntar-me a ela e apunhalá-la pelas costas mal tivesse uma chance. Mas ali estavas tu. Tal como em todas as semanas anteriores, sentada na mesa mais afastada, a escrevinhar no teu bloco de notas, com o teu cabelo castanho caramelo apanhado num rabo de cavalo, a beber café preto como se nada no mundo te pudesse incomodar. De alguma forma fazias-me sempre sentir melhor de cada vez que te via. A meu ver já eras parte da mobília do bar, e mesmo assim não conseguia levar-me a dizer-te um olá. Estavas sempre tão bonita, inatingível, sozinha. Não sei se bonita é a palavra certa, porque és um pouco como a arte, e a arte é só arte, e bonita é tão pequeno para arte, sabes? Assustavas-me ao início, mas agora intrigavas-me, como a arte faz. Queria saber o teu nome, o porquê de sorrires tão abertamente a todas as pessoas novas que ali entravam - eu próprio fui alvo de um desses sorrisos e deve ser essa razão de cá vir todos os dias, porque o café nem é assim tão bom, um bocado doce de mais para o meu gosto - e o que escrevias. Talvez eu queira um sorriso a mais do que os outros, ou tornar-me artista.
Sorri, e dobrei o papel amarrotado em quatro, guardando-o na mala. Levantei-me e sentei-me ao lado dele. Pedi a segunda chávena de café - desta vez o doce de mais - e deixei-me ser arte.